Amsterdam Stories
por Eduarda Neves, 2017
Em Amsterdam via Amsterdam (2004) e Amsterdam Stories USA (2012), filmes de Rob Rombout e Rogier Van Eck, interrogar torna-se a ferramenta hermenêutica que não se propõe negar ou fazer sucumbir o sentido, mas fazer com que a história se enuncie de outro modo.
Não estamos perante um qualquer inventário da história americana, ao qual chegaríamos pela narrativa da história ou pela história narrada. Escutamos vozes que nos devolvem a realidade das condições de existência. Nas suas dimensões primordialmente analíticas e na sua aparente simplicidade, não há lugar, nestas imagens, para formas puras: trata-se de ouvir os que têm a sua própria voz e não os que falam por eles, como nos é dito em Amsterdam Stories USA.
Ultrapassando a lógica potencialmente normalizadora da “janela para o mundo”, do referente e do simulacro, as obras, enquanto sistemas sociais de significado, confrontam-nos com espaços estruturados e estruturantes através dos quais vamos organizando e projectando o sentido:
A presença do real não significa a afirmação do realismo mas a defesa de uma poética que encontra na realidade a verdade da aparência ou, à maneira nietzscheana, não há outra verdade a não ser a aparência.
É o “texto fílmico” que se configura como espaço de complexa intertextualidade e se constitui como lugar de diálogo: o quotidiano, as relações sociais, a violência urbana, a morte, a pobreza, o racismo, a multiculturalidade, a segregação, a solidão, a liberdade, a alegria, os ideais, os modos de vida, a colonização, a guerra. Textos que se sobrepõem em camadas, através das quais ouvimos dizer que, apesar da América difundir de si mesma a imagem das grandes cidades, ”a maior parte dos americanos são insulares (…) não sabem o que se passa no seu exterior”, embora também possamos falar de “um povo decente, generoso, tolerante”.
« In the wandering of these travellers who renounce certainty, is expressed what we are in becoming, our becoming-other, what we gradually become, but also what still separates us from ourselves. »
De igual forma, nestas Amsterdam Stories, se, por um lado, não há lugar para condições excepcionais, por outro, uma certa geografia da memória recorda-nos que, quando pensamos já estar próximos de outro lugar, de um outro tempo, afinal podemos nunca de lá ter saído. No vagabundear destes viajantes que renunciam às certezas, exprime-se o que somos em devir, o nosso devir-outro, o que vamos sendo, mas também o que ainda nos separa de nós próprios.
Como Michel Foucault notou, o navio é heterotopia por excelência:
Nos barcos de Amsterdam Stories, os sonhos não secam e continuam a rasgar o mar.
A de Amsterdam. A de América. A actualidade fez-se anunciar. Não há histórias felizes.